escolhas e possibilidades

Quando eu penso nos meus filmes favoritos, percebo gosto deles por motivos diferentes. Alguns estão na minha lista de top 10 por seu roteiro intrincado e diálogos fenomenais, como é o caso de Pulp Fiction, outros pela estória singular e pelo sentimentos que me desperta, como é o caso de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. E alguns entraram para o ranking pela capacidade de me fazer pensar e questionar a minha realidade, e foi exatamente o que fez o filme que assisti esse final de semana. 



Mr. Nobody é um filme do diretor belga Jaco Van Dormael de 2009 e conta a estória de Nemo Nobody, vivido por Jared Leto, um homem de 118 anos que vive na Terra e é o único humano mortal no ano de 2092. Nemo não se lembra de quem é e não existe nenhum registro de sua identidade. Após uma seção de hipnose, Nemo começa a se lembrar de partes de sua vida e relata a um jornalista acontecimentos em três épocas distintas: quando tinha nove, quinze e trinta e quatro anos.

Quando Nemo tinha nove anos, ele se viu diante de uma escolha que seria difícil para qualquer criança fazer. Após a separação de seus pais, ele teve que escolher em uma estação de trem se iria embora com a sua mãe ou se ficaria com o seu pai. A narrativa então se desmembra, mostrando diferentes possibilidades que eram criadas a partir do momento dessa decisão. Uma das versões era de que Nemo corria e conseguia alcançar o trem em que sua mãe estava, o levando a se apaixonar aos quinze anos pela filha de seu padrasto, Anna. Uma outra versão é de Nemo acabava caindo ao correr atrás do trem na estação e acabava ficando com seu pai, o que o levavam aos quinze anos a se apaixonar por Elise, ou talvez por Jean, depende. E dependendo dos desdobramentos, outros futuros foram sendo narrados pelo Nemo de 118 anos, mostrando como cada simples evento ou escolha acabavam por modificar o seu destino, criando novas oportunidades e lhe apresentando trajetórias de vida distintas.

I'm not afraid of dying. I'm afraid I haven't been alive enough. It should be written on every school room blackboard: Life is a playground - or nothing.



O roteiro é belíssimo e muito bem construído, principalmente se levarmos em consideração a teia de possíveis vidas que são tecidas a frente do protagonista. E ele também aborda a questão sobre as dimensões de espaço e tempo que existem no universo, originalmente criadas pelo Big Bang. No filme ele fala sobre a entropia, uma grandeza termodinâmica que mede o grau de irreversibilidade de um sistema e leva sempre no sentido da desordem. O que ele questiona no filme é: e se a força do Big Bang fosse finalmente vencida pela gravidade, será que voltaríamos no tempo, dando chance para que as coisas em desordem pudessem de alguma forma serem consertadas? Não esquecendo que eu sou completamente leiga em Física e isso foi apenas o que consegui captar do filme.

Além do roteiro, a fotografia do filme e sua estética são muito peculiares. Uma das cenas mais lindas é quando Nemo e Anna estão no apartamento de seus pais e começam a se beijar na cozinha. Em uma das transições, os dois estão se beijando encostados em uma parede e começam a rolar por ela, e enquanto eles rolam a cena passa para a cama no quarto de Anna, como se a estampa do papel de parede de repente se transformasse nos lençóis.


Os atores que interpretam cada um dos personagens em suas três idades também foram muito bem escolhidos. É o tipo de filme em que você realmente consegue sentir a emoção que o diretor queria passar, a trama te pega e te amarra naquelas estórias.

Esse filme é sobre escolhas. Mas é também sobre possibilidade e sobre como não há escolha certa ou errada, há apenas diferentes caminhos que vão nos sendo apresentados e que são a todo momento influenciados tanto por nós mesmos como por eventos distantes que num primeiro momento não tem nenhum tipo de ligação com o seu resultado. Um exemplo é quando em uma das possibilidades, Nemo reencontra Anna aos trinta e quatro anos e ela lhe dá o número de seu telefone. Para o seu azar, uma chuva repentina acaba apagando o número escrito no papel que estava em suas mãos. Nemo conta que aquele pingo de chuva caiu porque no Brasil (sim, no Brasil) um homem desempregado resolveu cozinhar um ovo ao invés de estar trabalhando, e que esse mesmo homem perdeu seu emprego porque Nemo resolveu comprar uma calça jeans mais barata do que a fabricada pela empresa do brasileiro.

Fiquei até meio passada o resto do final de semana, é aquele tipo de estória que não sai da cabeça. E eu ainda assisti a versão estendida do diretor, foram umas duas horas e meia de filme, e valeu cada segundo.
Every path is the right path. Everything could have been anything else and it would have just as much meaning. 



o tradutor, amor e dor



Só digo uma coisa: esse livro faz 50 Tons de Cinza parecer estória infantil. Mentira, não vou dizer só isso não.

No post anterior eu contei sobre a minha saga na Bienal do Livro. O bom em eventos como esse é achar aquela pilha de livros em promoção e sair caçando títulos que chamem a atenção. Nessas horas não dá pra ficar analisando muito, lendo contracapas e decidindo o que levar. Rola uma vibe muitos mais instintiva: você tem que bater o olho no título e na capa, e decidir na lata se vai ou não levar. Esse esquema acaba sempre me levando a comprar alguns livros que eu talvez não comprasse caso tivesse tempo pra analisar a aquisição. E muitas vezes, como nesse caso, a obra acaba superando as minhas expectativas.

Levei pra casa Hotel Íris (Leya, 2011, 208 páginas) de Yoko Ogawa, sem esperar muita coisa, afinal paguei apenas R$10 pela obra. Razões da compra: as cores vivas da capa e o fato de ser uma obra japonesa (percebi que eu nunca tinha lido nada de um escritor dessa nacionalidade). Resultado: devorei o livro em 3 dias.

O livro conta a estória de Mari, uma jovem de 17 anos que trabalha no hotel que dá nome ao livro pertencente a sua mãe, herança do avô já falecido. A garota não sai, não estuda, não tem amigos e não sabe o que é diversão. Tudo o que Mari faz é trabalhar na recepção do hotel e obedecer a sua mãe, que praticamente a trata como escrava. Essa era a sua vida, até que um incidente ocorre no hotel entre um hóspede e uma prostituta. O homem desperta um interesse repentino na jovem, que fica obcecada pela única frase por ele proferida em meio ao barraco: "Cala boca, sua puta".

Bom, dai já dá pra perceber que Mari não é a adolescente mainstream que você encontra por aí. Dias após o evento no hotel, ela acaba encontrando o autor da frase tão "singela" que despertou sua atenção e o segue pelo centro da cidade. Ele percebe, sem muita dificuldade, que está sendo seguido e reconhece a garota do hotel. Os dois acabam trocando algumas palavras e quase que instantaneamente, cria-se um vínculo entre eles. Desse primeiro encontro, desenvolve-se uma rotina de cartas que ele escreve pra ela diariamente e encontros que ocorrem toda semana, sempre no mesmo horário e no mesmo local.

Enquanto Mari é apenas uma adolescente ingênua que ainda não sabe muito o que esperar da vida, o homem é justamente o contrário disso. Só no final do livro eu reparei que em nenhum momento ela diz o nome dele, ela apenas refere-se a sua pessoa como "o tradutor". Essa era sua profissão: traduzir obras do russo para o japonês. O tradutor mora sozinho numa ilha próxima a cidade em que fica o Hotel Íris, é viúvo e não cultiva em sua vida muitas amizades. Ah, eu já disse que ele tem tipo 70 anos e pode ser o assassino da própria esposa? Pois é!

A relação deles em público é quase casta. O tradutor trata Mari como uma boneca de porcelana que poderia a qualquer momento quebrar-se em mil pedaços. Ele sempre anda com ela com o braço sobre seus ombros de forma delicada, preocupado a todo momento com o seu bem estar. Já entre quatro paredes, ocorre justamente o contrário. Em um de seus encontros, o tradutor leva a garota para sua casa na ilha e mostra a ela um novo lado seu, bem mais parecido com o do homem que proferiu aquela palavras naquela noite no hotel. A princípio a jovem recua, diz querer ir embora, mas apenas para tentar provocar nele ainda mais aquele lado sombrio e sádico. Era esse o homem que ela esperava encontrar ali.



O tradutor não usa algemas confortáveis em quartos de couro, nem ata suas mãos com gravatas de seda. Ele utiliza cordas, cadeiras, tapas e chutes. E isso não a afugenta, pelo contrário, a faz sempre voltar querendo mais. Essa é a relação entre os dois, uma relação de extrema dominação, de punição e violência. Mari consente a cada ato humilhante, ela não está ali a força, mas encontra prazer na dor que lhe é infligida, é assim que ela reconhece o amor. Masoquista de carteirinha.

A estória desse relacionamento vai se desenrolando, mostrando as camadas e nuances dessa relação tão brutal. Outros personagens fazem parte da trama, como a empregada do hotel que descobre sobre o caso de Mari e atormenta a vida da garota, sua mãe insensível que não tem a menor ideia do que se passa na vida da filha, o sobrinho do tradutor que é arquiteto e não fala por não ter língua, entre outros.

A história se desenvolve num ritmo viciante, instiga o leitor a querer saber qual será o próximo acontecimento. Os personagens tem cada um sua própria complexidade, e você aos poucos vai conhecendo suas personalidades e motivações. O tradutor e Mari encontram um no outro aquilo que os traz a vida, que os despertam de suas rotinas medíocres e os fazem ansiar pelo momento seguinte. De quatro, nua, colocando as meias nos pés dele usando apenas sua boca, ela deixa de ser a garota infeliz por de trás do balcão do hotel, e ele deixa de ser o velho solitário de quem ninguém sentia falta. O final é trágico e dramático, e não poderia ser diferente.

Yoko Ogawa é uma premiada escritora japonesa que publicou mais de 20 obras literária, algumas das quais foram até mesmo adaptadas para o cinema. Hotel Íris foi publicado em 1996. A obra foi traduzida do japonês para o francês e do francês para o português. Leitura mais do que recomendada.


back with more books

Depois de algumas semanas sem dar as caras aqui no blog, hoje deu vontade (e tempo) de escrever um pouquinho aqui, já estava com saudades!

Vou começar por um assunto um tanto quanto atrasado, mas que não pode passar em branco: a 23ª Bienal do Livro de São Paulo.


Se numa livraria eu já enlouqueço, vocês imaginam o que acontece comigo em uma Bienal! Fui no primeiro sábado, dia 23 de agosto, toda feliz e contente, sem a menor ideia da loucura que eu iria encontrar lá. Confesso que fui um pouco ingênua, mas juro que quando cheguei me perguntei "meu deus do céu, da onde saiu tanta gente que gosta de ler?". Por um lado é claro que essa é uma surpresa boa, fiquei realmente surpresa com a quantidade de pessoas - em sua maioria adolescentes - que estavam lá no evento prestigiando esse veículo que eu tanto amo. Por outro lado, parecia que a organização do evento estava tão surpresa quanto eu, tamanha era a desorganização.

Logo na entrada já dava pra ver uma prévia do que estaria dentro do galpão. Filas múltiplas que davam no mesmo lugar, sem a sinalização apropriada pra melhorar a logística na entrada do evento. Eu entrei e logo fui pro fundo do evento, afim de escapar da multidão que já ia ficando pelos primeiros stands. Até aí tudo bem, até eu querer comprar um livro pagando com cartão de crédito. Sério, só com reza brava o 3G funcionava nas máquinas de cartão (imagine centenas de máquinas competindo com milhares de celulares por míseras barrinhas em seu sinal), o que inviabilizou muitas compras e criou filas gigantescas na praça de alimentação. Eu sei que isso não é culpa da organização do evento, mas foi um infortúnio que prejudicou tanto clientes como editoras. Eu ainda tive sorte, as máquinas de cartão estavam me amando e não falharam uma só vez quando pedi pra tentarem passar (mentira, na hora do almoço fiquei 25 minutos tentando passar o cartão). Eu sei, mais uma vez fui ingênua em não ter levado dinheiro vivo. Mas é que eu evito ao máximo ficar andando com dinheiro, principalmente em aglomerações como essa (e não é nóia minhas, roubaram o celular de uma amiga lá).

Mas o pior momento do rolê foi quando eu inventei de ir no stand da Intrínseca. Eu não sei quem é que escolhe a localização dos stands, mas os stands das 4 editoras mais procuradas estavam um ao lado do outro, formando uma área praticamente intransitável da feira. Conclusão? Não fui no da Intrínseca, nem o da Leya, nem no da Rocco (que segundo meu amigo estava mais cheio que o show do Foo Fighters no Lollapalooza) e nem no da Nova Conceito. Uma pena mesmo, essa foi uma das coisas que me deixou de bode.

Mas tudo bem, no final deu tudo certo, depois de muita caminhada, empurra-empurra, fila e paciência. E é claro que achei muitas obras legais com preços realmente diferenciados.

Os primeiros que comprei foram no stand da Geração Editorial. Era um stand menor, com menos títulos, mas com obras interessantes e preços excelentes. Nesse comprei 2 títulos:

  • Darwin: A vida de um evolucionista atormentado de Adrian Desmond & James Moore (Geração Editorial, 6ª edição, 2009, 797 página) por R$37,00
  • A Arte da Guerra: os treze capítulos originais de Sun Tzu (Jardim dos Livros, 2014, 131 páginas) por R$5,90

E depois como eu já estava estressada, só parei em um último stand pra comprar mais livros porque todos os títulos estavam R$10,00. E pacientemente eu garimpei pilhas e pilhas de livros até achar obras interessantes, e em seguida encarei 1 hora de fila pra passar no caixa.

  • Hotel Íris de Yoko Ogawa (Leya, 2011, 208 páginas)
  • Minha Vida de Stripper de Diablo Cody (Nova Fronteira, 2008, 212 páginas)
  • King Kong de Delos W. Lovelace (Ediouro, 2005, 184 páginas)
  • O Mágico de Oz de L. Frank Baum (Leya, 2011, 192 páginas)
  • Em Favor da Dúvida de Peter Berger & Anton Zijderveld (Elsevier, 2012, 171 páginas)


Resumo da ópera: me arrependi de ter ido? Ainda não sei a resposta pra essa pergunta. Vou na próxima? Só se for durante a semana. E além de tudo agora eu ainda devo pro meu namorado uma ida a algum evento relacionado a vídeo game sem direto a reclamações!

E como sai meio frustrada por não ter conseguido ver tudo, na semana seguinte passei numa Fnac numa manhã de sábado e fiquei mais de uma hora olhando tranquilamente os livros, apreciando a paz que eles me trazem pra deixar pra trás a sensação de 25 de março em véspera de Natal que permeou a minha ida a Bienal. E como eu não me seguro, ainda comprei alguns livritos más:

  • O Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry (Agir, 2009, 93 páginas)
  • Sex And The City de Candace Bushnell (BestBolso, 2008, 293 páginas)
  • Destrua Esse Diário de Keri Smith (Intrínseca, 2013, 224 páginas)]


E é assim que mais uma vez eu me proíbo de comprar livros até que haja uma baixa significativa na pilha de "não lidos". E a leitura até que está fluindo, já li 2 das obras relacionadas no post! Essa semana ainda posto as resenhas aqui.


partidas e saudades

Essa semana não tá sendo fácil pra literatura brasileira... Primeiro foi João Ubaldo Ribeiro, agora foi-se Rubem Alves, deixando saudades e uma vida inteira de belíssimos textos e trabalhos. Rubem é uma daquelas pessoas que eu sinto não ter conhecido, pois devia ser um ser humano fascinante! Por ele eu terei sempre um carinho especial, pois foi uma de suas obras que mais me inspirou a ler na minha infância.


Rubem era mineiro, e durante sua vida foi psicanalista, educador, teólogo e escritor. Viveu e morreu aqui em minha cidade, tendo sido cidadão honorário de Campinas. Tem diversos trabalhos publicados: crônicas, ensaios, contos, teses, dissertações e monografias.

Quando criança, a minha família se parecia muito com a de ciganos, mudando por várias vezes de cidade. Morei 2 anos em Piracicaba quando tinha entre 5 e 6 anos. Estudei no Colégio Piracicabano na 1ª série, da qual eu guardo boas lembranças. Então meu pai foi mais uma vez transferido pra outra cidade por conta do trabalho, e eu não cheguei a terminar o ano letivo lá. Na despedida, a minha professora me deu de presente um exemplar de A Menina e o Pássaro Encantado, um livro lindo de Rubem Alves que fala de partidas e de saudade.


O livro conta a história de uma menininha que conhece um pássaro encantado lindo, com plumagens maravilhosas e coloridas. O pássaro era seu melhor amigo, e era encantado porque mesmo com a gaiola aberta, ele sempre retornava aos braços de sua fiel dona. Mas acontece que a menininha sentia muitas saudades do pássaro quando ele ia embora, e por isso ela decidiu prendê-lo na gaiola, pra que ele assim ficasse sempre perto dela. Mas na gaiola o pássaro adoeceu, suas plumas se transformaram em penas cinzentas e sem graça, e com o tempo ele deixou de cantar e contar suas estórias. Percebendo o grande engano, a menina por fim liberta o pássaro e deixa que ele seja livre novamente, pra ir e vir, fazendo com que o amor crescesse junto com a saudade.
Esta estória, eu não a inventei. Fiquei triste vendo a tristeza de uma criança que chorava uma despedida... E a estória simplesmente apareceu dentro de mim, quase pronta. Pra quê uma estória? Quem não compreende pensa que é pra divertir. Mas não é isto. É que elas têm o poder de transfigurar o cotidiano. Elas chamam as angústias pelos seus nomes e dizem o medo em canções. Com isso angústias e medos ficam mais mansos. Claro que são para crianças. Especialmente aquelas que moram dentro de nós, e têm medo da solidão...
A estória parece boba pra ouvidos adultos, mas é uma metáfora simples e singela pra se contar para uma criança. Esse é com certeza o livro que eu mais li na vida, me ensinou a ter gosto tanto pela leitura quando pela liberdade. Tamanho é o carinho que eu tenho pela estória que eu tenho tatuada essa gaiola, mas com a portinhola aberta e dois pássaros voando em volta.


Obrigada Rubem Alves, pela importância da sua obra na minha infância, tenho certeza de que não fui a única a ter sido influenciada pelas suas sábias palavras.


obrigada João

Na semana passada o Brasil perdeu uma de suas grandes mentes. Foi-se João Ubaldo Ribeiro, vítima de uma embolia pulmonar aos 73 anos de idade. João foi escritor, jornalista, roteirista e professor, ocupante da cadeira 34 na Academia Brasileira de Letras. O escritor pode ter morrido, mas suas obras são testemunho de sua grandeza a estarão pra sempre vivas na cultura brasileira. Dentre suas obras literárias, João escreveu romances, contos, crônicas, ensaios e literatura juvenil.


Pra comemorar a vida e obra do escritor, decidi escrever aqui no blog sobre uma de suas obras, talvez a mais polêmica, um romance intitulado A Casa dos Budas Ditosos. Eu li o livro há alguns anos, no primeiro ano da faculdade de Psicologia. Eu já tinha ouvido falar muito bem da obra, e como era uma das leituras recomendadas do curso, decidir ler o livro. Eu nunca li nada igual, é definitivamente uma daquelas estórias que você não esquece jamais.


A Editora Objetiva decidiu lançar uma série de livros chamada "Plenos Pecados", convidando 7 escritores a escrever sobre um pecado capital. João foi convidado a escrever sobra a luxúria, a ao saber disso uma senhora baiana de 68 anos enviou ao escritor a história de sua vida, um relato sincero e sem pudores de alguém que vivenciou sua sexualidade na plenitude. Assim nasceu A Casa dos Budas Ditosos, uma relato que foi apenas editado e publicado pelo escritor. Pra muitos a obra pode ser chocante, pois como eu disse, a estória é contada sem o menor pudor e nos menores detalhes.

A suposta senhora (não se sabe seu nome ou se ela realmente existe) conta desde suas primeiras experiência sexuais em sua adolescência até suas experiência mais recentes aos quase 70 anos. Seu relato mostra uma mulher disposta a fazer qualquer coisa pra se satisfazer sexualmente, sem preconceitos e sem se importar com as convenções sociais de sua época a respeito do que era ou não aceitável no sexo. Dentre suas experiência estão um casamento aberto onde ela e o marido eram grandes adeptos de swing, um noivo com quem ela terminou após ter dado pra ele pela primeira vez, e um relacionamento incestuoso com o irmão.

Esse não é o tipo de livro sobre sexo do qual você tira ideias do que fazer com o seu namorado pra apimentar a relação, é uma estória que serve pra abrir a mente em relação ao sexo, ao prazer e a visão de sua própria sexualidade. Esse não é um livro escrito com o propósito de excitar a leitora com uma estória ridícula com meia dúzia de passagens eróticas, esse é o relato de uma mulher que tinha sobre o seu controle o seu prazer e que experimentou tudo aquilo que julgou levá-la mais perto do êxtase, com uma linguagem verdadeira e despretensiosa que prende o leitor, levando-o imediatamente a enxergar a honestidade da narrativa. Leitura mais do que recomendada, essa é obrigatória.

"Faço tudo que me dá na cabeça, não quero saber de limitações. Eu não pequei contra a luxúria. Quem peca é aquele que não faz o que foi criado para fazer"

João Ubaldo Ribeiro, obrigada por essas e por muitas outras obras. Vá em paz, você viverá eternamente através das palavras que deixou pra trás.


o machismo só faz vítimas

Homem não chora, não fala de seus sentimentos, não é carinhoso e nem delicado. Homem que é homem engole o choro, passa cantada de pedreiro na rua, cospe no chão e gosta de futebol. Homem não usa saia, não usa maquiagem, não liga pra saúde. Homem mesmo, aquele homem de verdade, é violento, é viril, é macho com M maiúsculo... Assim é visto o homem na nossa sociedade. Quem disse que o machismo afeta somente as mulheres? A imposição desse modelo de macho alfa também pode oprimir a ala masculina, já pensaram nisso?


Nós mulheres já somos conhecidas vítimas da nossa sociedade machista, e ao contrário do que muito desinformado por aí pensa, o feminismo não é um movimento a favor da superioridade feminina, mas da igualdade de papéis. A tempos que nós mulheres lutamos pelos nosso direitos e por um lugar ao sol ao lado dos homens, e não atrás de suas sombras. A nossa luta já é velha conhecida, afinal de contas nós somos o sexo oprimido pelo machismo e pela cultura que inferioriza a mulher e o seu papel na sociedade. Mas pra que o nosso objetivo seja um dia alcançado, os nossos papéis tem que ser de fato semelhantes ao do sexo oposto, e isso significa que também temos que mudar o olhar frente àquilo que consideramos modelo de homem. 

O machismo também oprime o homem, delineando um estereótipo extremamente restrito do que um exemplar masculino deve ser e de como deve se portar. Na nossa sociedade, um homem dizer que ama um outro amigo também homem não é bem aceito, assim como não é aceito o menino que gosta de usar os sapatos da mãe quando criança, ou o marido que escolhe ficar em casa cuidando dos filhos enquanto a esposa trabalha fora. Se um homem é romântico ou carinhoso em demasia, logo se desconfia de sua orientação sexual. Se um homem usa rosa, se ele não curte jogar bola, se abraça um colega, se rejeita sexo casual, se falha na hora H... Tudo isso é motivo pra que o homem em questão seja excluído da categoria "macho de verdade".

Uns tempos atrás vi no Hypeness uma série de fotografias de homens que foram abusados sexualmente segurando placas com as frases que ouviram de seus estupradores momentos antes do crime. Duas das fotos me chamar a atenção: uma era de um garoto com o cartaz que dizia "você não pode dizer não pra uma garota como eu" e a outra mostrava só a placa com a frase "homens não podem ser estuprados". Isso é um claro reflexo desse machismo que se perpetua continuamente em nossa cultura, que diz que homens não podem negar sexo e que não são passíveis de abuso sexual. Da mesma maneira que nós mulheres somos donas do nosso corpo, eles também são, e nenhum ser humano de gênero algum deveria ser obrigado a fazer com seu corpo algo que não deseja. E homens são sim passíveis de abuso sexual, e não são só vítimas de outros homens, mas também de mulheres.



Outro vídeo que também estava circulando a internet algumas semanas atrás mostrava duas versões de uma briga de casal em público. Na primeira versão da briga, o homem gritava com a mulher, pegava-a pelo braço e apertava seu rosto enquanto discutiam. As pessoas que estavam em volta claramente mostraram reprovação, e assim que a briga ficou mais física, algumas pessoas interviram, dizendo que chamariam a polícia caso o cara tocasse a moça novamente. Na segunda versão a agressora dessa vez é a mulher, que grita, aperta, soca e estapeia o homem repetidamente. Sabe qual foi a reação das pessoas? Risos contidos, apenas isso. Porque pra nossa sociedade, homem que é homem não apanha, não choraminga e não pede ajuda. Homem que é homem não é vítima, é opressor.


Eu acho que a linha de raciocínio da maioria das pessoas é: homens são mais fortes fisicamente, portanto não podem ser vítimas de um ser que é fisicamente inferior. Tá, agora mulheres, pensem em todo tipo de violência psicológica e verbal que vocês já sofreram na vida (que não requer um músculo se quer pra ser deferida), dá pra realmente achar que um homem não pode ser uma vítima disso? Dá pra realmente achar que um homem tem que ser sempre forte e que não deve se sentir abusado pela violência que vem de uma mulher? Não dá. Violência é violência, seja contra quem for.

De todas as coisas que não são socialmente aceitas quando feitas por um homem, creio que a pior delas seja não poder se abrir sobre os seus sentimentos. Não há nada mais catártico do que botar pra fora tudo aquilo que está entalado na gargando numa conversa com uma amiga, pelo menos nós mulheres temos esse privilégio. Já os homens não, a eles é imposto uma fachada séria e inabalável, onde nada é dito e tudo é guardado no fundo da alma. E o pior é que isso impaca o auto-conhecimento, porque não há meio de entender o que se passa dentro da gente sem trazer pra fora essa experiência através da conversa.

Hoje, em meio as minhas fuçadas internet a fora, me deparei com uma matéria no Catraca Livre sobre um movimento chamado Homens Libertem-Se!, uma campanha que vem pra questionar os valores de diferença de gênero na nossa sociedade, promovendo igualdade de fato entre os sexos. Abaixo um pouco sobre o movimento:


Homens Libertem-se/Men Get Free é uma campanha artística e social proposta em parceria entre o coletivo mo[vi]mento-MG/RJ e o histórico e polêmico grupo The Living Theatre, de Nova Iorque, que vem crescendo consideravelmente com o auxílio de inúmeros voluntários e conta com parcerias como o músico Paulinho Moska, os cartunistas Laerte e Miguel Paiva, os atores Lucio Mauro Filho, Marcos Breda, Larissa Bracher, Flávia Monteiro, Igor Rickli, Aline Wirley, Álamo Facó, Nico Puig, Marcos Damigo, o escritor e produtor Nelson Motta, a escritora Elisa Lucinda, a escritora e apresentadora Marcia Tiburi, a escritora e historiadora Mary Del Priore, o deputado Marcelo Freixo , entre inúmeros outros grupos, artistas e profissionais de várias partes do país. O projeto pretende ser um chamado à reflexão em torno das muitas formas pelas quais o machismo prejudica também os homens, independente de sua sexualidade, devido às dimensões da construção social do homem na contemporaneidade, que os incita a se encaixarem num modelo de homem fixo e restritivo. Estas restrições geram uma opressão pouco discutida por ser mais velada, aceita e naturalizada, mesmo após as inúmeras reflexões do último século em torno dos direitos humanos. Acreditamos ser possível estimular os homens a refletirem sobre a opressão de um modo geral ao se depararem consigo mesmos como oprimidos pelo sistema patriarcal universalmente sustentado em que vivemos e que prejudica a todos indiscriminadamente. Esperamos que essa reflexão se reflita em negação de algumas das formas rígidas do machismo, questionando o rótulo “seja homem!” e também que possa, a longo prazo, auxiliar na diminuição da violência.

Ontem foi o Dia do Homem que comemoramos todo dia 15 de julho aqui no Brasil. Esse dia foi criado com a intenção de promover saúde na ala masculina, porque afinal de contas até mesmo um simples exame de próstata é tabu para os machões. E por isso eu desejo nessa data a todos os homens um mundo mais tolerante, onde hajam menos homens e mulheres e mais seres humanos, livres pra vivenciar a sua subjetividade como ela realmente é.


ventre em ebulição

Hoje eu troquei o jogo por um bom livro e não me arrependi... E olha que o livro nem foi tão bom. De cama, com a rinite e a sinusite ainda atacados, eu deixei de ver a Copa pra aproveitar o momento pra ficar quentinha de baixo dos cobertores colocando a leitura em dia. Alguns livros estão na me estante a anos aguardando impacientemente na fila pra serem lidos. É o caso de Toda Sua e Profundamente Sua da Trilogia Crossfire, de Sylvia Day, que eu ganhei de amigo secreto a uns 2 anos atrás e ainda não tinha tido a oportunidade de ler. E como hoje estava atrás de uma leitura descompromissada, escolhi pra ler o primeiro livro da série.



Eu já sabia que seria uma leitura bem parecida com 50 Tons de Cinza de E. L. James, menos a parte do sadomasoquismo. A própria Sylvia agradece E. L. por ter dado notoriedade ao gênero, demandando mais obras do mesmo estilo. Mas gente, o que eu não sabia era que a cópia era tão descarada. A base da história é praticamente a mesma, e o personagem de Gideon Cross pode ser facilmente confundido com o já conhecido Christian Grey.

A história é a seguinte. Eva Trammel tem 24 anos e acaba de se mudar para Nova York. Dividindo o apê com meu BFF bissexual Cary, a loira está pronta para começar sua nova vida na big apple com um novo emprego em uma prestigiada agência de publicidade (não muito diferente de Ana com seu novo emprego na editora em 50 Tons). Detalhes a parte, Eva acaba conhecendo no prédio onde trabalha um figurão moreno, bonito e sensual, de porte atlético e olhos azuis, o riquíssimo Gideon Cross. Assim como Grey, Gideon tem o poder sobrenatural de abrir as pernas das mulheres que por ele passam. Assim como Grey, o cara é dono do prédio, de uma academia, de um hotel, e de tudo quanto é estabelecimento comercial em Nova York. E assim como Grey, Gideon tem vários traumas infantis que fazem do partidão um desastre quando se trata de um relacionamento amoroso. Mas não, ele não é sadomasoquista, o que na minha opinião é um dos traços mais interessantes de Christian Grey.

Já a Eva é um pouco mais diferente de Ana. Ela não é virgem, pelo contrário, faz até uso de um vibrador nas entressafras, e é menos bobinha que a personagem de E. L. James (até certo ponto). Também ao contrário de Anna, Eva, assim como Gideon, tem altos traumas de infância, mas seus problemas são um pouco mais bem resolvidos do que os dele. Outra diferença é que Eva tem grana, sua família é bem abastada graças a capacidade de sua mãe de descolar maridos abonados.

Mas a trama é bem similar, pelo menos no primeiro livro da série. Eva fica babando pelo gostosão, que a princípio só quer comê-la, mas como ela faz cu doce, o cara fica interessado e depois decide que por ela vai tentar ser mais normalzinho e levar adiante um relacionamento sério. Mas MEU DELS, o namoro desses dois tem mais desdobramentos caóticos do que uma novela mexicana das boas! Não sei se é porque li o livro todo de uma vez, mas fiquei exausta com tanto problema entre duas pessoas! Sério gente, to cansada emocionalmente só de imaginar um relacionamento desses, pelamor!



E o sexo? Eu ainda não consegui me decidir se as passagens pornográficas são melhores ou piores do que as de 50 Tons. Dão tesão? Até dão... Mas por mais que a cena pareça interessante, eu ainda acho a linguagem artificial demais. As vezes me pergunto se é culpa da escritora ou da tradução, por que quem usa na vida real expressões como "ventre em ebulição", "volúpia animalesca" e "investidas furiosas"? Detalhe que eu tirei as três expressão de uma mesma passagem do livro, ele está recheado com muitas outras figuras de linguagem nada naturais para adjetivar o ato sexual. Alguém consegue imaginar duas amigas conversando e uma pergunta " e aí amiga, como é que foi com o fulano ontem a noite?" e a outra responde "nossa, ele deixou o meu ventre em ebulição!". Desculpa, não dá pra mim. 

Além da linguagem que é bem distante do real, a quantidade de orgasmos também é. Gente, peralá né, a maioria das mulheres não goza 5 vezes cada vez que trepa, a maioria das mulheres tem até dificuldade de gozar com penetração! O que eu acho foda nessa ponto é que parece que esse tipo de literatura reforça ainda mais esses mitos, de que uma mulher que realmente sente tesão goza milhões de vezes numa noite, e se você não é assim é porque você é uma frígida. Isso tá bem longe da realidade, anos luz! Existe sexo bom de verdade? É claro! Mas esperar que um cara vá quase te fazer gozar só com um olhar é tão real quanto acreditar que se ama alguém a primeira vista.

O que pega a atenção da mulherada é realmente o personagem masculino da trama. Quem não ficaria com um mínimo de tesão possível por um cara lindo de morrer, rico pra caralho, sacana, bem dotado, mestre na arte da sedução e, que de quebra, tem alguns problemas mau resolvidos, prato cheio pra atiçar o lado "quero consertar o bofe" que existe em cada algumas mulheres? Aí eu me pergunto: é essa a versão para maiores de 18 anos dos príncipes encantados da nossa infância? Será que estamos trocando o título real por uma fortuna descomunal e o cavalo branco por um pau enorme? É de se pensar!

Outra coisa bizarra é que toda hora que o casal briga por algum motivo, tudo se resolve na cama. Vamos a um exemplo: para o questionamento "porque é que você não me contou que já tinha sido noivo antes e que conversa todo dia com a sua ex?", qual a melhor atitude a ser tomada?

a) lava a roupa suja em público mesmo e resolve o babado na hora
b) pede pra nega não fazer a loca e segurar o fight pra quando chegarem em casa
c) come ela numa limusine

Pois é, a autora foi com a letra C. Porque, aparentemente, é somente na cama que os dois conseguem resolver os seus pepinos e acalmarem os nervos. Igualzinho na vida real...

Mas aí eu fiquei me questionando: será que o tesão vem justamente da história ser tão fantasiosa? Será que uma história mais plausível seria de fato mais erotizante? Será que eu to cobrando realidade de um negócio que é por definição feito pra explorar tramas que as leitoras não encontram em seu dia-a-dia? Eu não sei, ainda to em dúvida.

Bom, só sei que pra mim não cola, não consegui achar muita graça no livro. Só vou ler o próximo da série porque já está aqui na minha estante, e mesmo assim não pretendo ler de imediato. Pelo menos é mais um da minha meta de leitura de 2014 que eu posso riscar da lista!

Frente a esse tipo de fantasia, prefiro ficar com a minha realidade.